“O Rassemblement National alcançar o poder já não é inevitável”, conclui a declaração de 13 de junho da Nouveau Front Populaire (Nova Frente Popular), a aliança de esquerda formada para as eleições antecipadas convocadas pelo presidente francês Emmanuel Macron. Na disputa em dois turnos, nos dias 30 de junho e 7 de julho, ela enfrentará dois rivais principais, a saber, o bloco de centro-direita, liderado por Macron, e a extrema direita. Graças à unidade construída em tempo recorde, a Esquerda pode vencer.
A convocação de eleições parlamentares antecipadas, decidida por Macron após o Rassemblement National de Marine Le Pen ter varrido as eleições europeias em 9 de junho, certamente causou um terremoto na política francesa. O presidente impopular — cujos candidatos (com 14,5 por cento) receberam menos da metade dos votos do partido de Le Pen (31,5 por cento) na votação do último domingo — esperava que as divisões na Esquerda o tornassem mais uma vez a única alternativa à extrema direita. Mas ele estava errado.
Diante do risco de uma maioria parlamentar de extrema direita e um primeiro-ministro de extrema direita, as diversas forças de esquerda e verdes reagiram com uma rapidez incomum. A França Insubmissa de Jean-Luc Mélenchon, o Partido Socialista, os Verdes e o Partido Comunista já haviam se unido nas eleições parlamentares de 2022, obtendo o segundo lugar geral e quebrando a maioria absoluta de Macron. Mas, desde então, a Esquerda havia retornado às suas dinâmicas tradicionais de divisão fratricida.
Pressionados pelas mobilizações de rua que clamavam por unidade, esses partidos decidiram “jogar seus ressentimentos no rio”, como Mélenchon colocou em seu tom usualmente lírico. Poucos dias depois, nasceu a Nouveau Front Populaire, com um programa comum e um acordo para distribuir os distritos eleitorais entre os diferentes partidos. Na eleição, 229 das 577 cadeiras terão candidatos da França Insubmissa, enquanto haverá 175 candidatos do Partido Socialista, 92 dos Verdes e 50 do Partido Comunista. Em comparação com a coalizão de esquerda formada para a eleição parlamentar de 2022, o partido de Mélenchon perdeu cerca de 131 candidaturas. Esse reequilíbrio leva em conta não apenas o peso atual de cada partido na Assembleia Nacional (onde a França Insubmissa é a maior força de esquerda), mas também os resultados da eleição da UE, onde o Partido Socialista obteve 14,6 por cento dos votos e a França Insubmissa um pouco menos de 10 por cento.
O nome do pacto refere-se à histórica aliança de esquerda que governou a França a partir de 1936, enquanto o fascismo chegava ao poder em outros países europeus. A Frente Popular, que conquistou direitos sociais como as férias remuneradas, é uma referência histórica para a esquerda francesa tão importante quanto a Comuna ou a Revolução de 1789.
Sonhos de vitória
As pesquisas de opinião ainda colocam o Rassemblement National em primeiro lugar, com cerca de 31 por cento, aproximadamente três pontos à frente da Nouveau Front Populaire. O Ensemble (partido de Macron) está dez pontos atrás, em um potencialmente catastrófico terceiro lugar. O sistema eleitoral francês é majoritário, o que significa que no segundo turno de 7 de julho, na maioria dos distritos, um candidato de esquerda enfrentará um candidato do Rassemblement National — deixando os “macronistas” de fora.
A Nova Frente Popular conta com o entusiasmo dos eleitores progressistas, que finalmente veem motivos para esperança em um cenário político cada vez mais inclinado à direita. Ela também conta com o apoio dos principais sindicatos, que convocaram mobilizações contra a extrema direita e em apoio à Nova Frente Popular, seguindo a inspiração histórica de 1936. Ainda estão frescas na memória manifestações e greves que paralisaram a França no ano passado em protesto contra a reforma da previdência de Macron, as maiores mobilizações em décadas. Uma das promessas principais da coligação é revogar a reforma de Macron, retornando imediatamente à aposentadoria aos sessenta e dois anos, enquanto também afirma “o objetivo do direito à aposentadoria aos sessenta anos.” Em contraste, o candidato do Rassemblement National para primeiro-ministro, Jordan Bardella, voltou atrás em sua promessa anterior de revogar a impopular reforma de Macron, um movimento direcionado a contentar os círculos empresariais.
Desta vez, é a direita que está dividida. Éric Ciotti, líder dos Les Républicains — a força conservadora tradicional — foi expulso de seu próprio partido por tentar uma aliança com o Rassemblement National. O Reconquête, um partido de extrema direita ainda mais radical do que o de Le Pen, liderado pelo jornalista e comentarista político Éric Zemmour, também viu seu candidato às eleições europeias abandonar o partido e pedir aos eleitores que votem no Rassemblement National.
Todos esses fatores encheram a esquerda francesa de esperança, mas o resultado é incerto. A guinada de Macron à direita, que acabou de aprovar uma lei de imigração copiada da extrema direita, há anos tem ajudado a estratégia de “desdemonização” do Rassemblement National. Parte da direita tradicional agora se unirá diretamente ao campo de Bardella, enquanto outros estão pelo menos dispostos a votar nele. Esse é o caso de François-Xavier Bellamy, principal candidato dos Les Républicains às eleições europeias, que afirmou que prefere votar no Rassemblement National do que na Esquerda no segundo turno em 7 de julho. Ele ilustra como a Frente Popular não pode esperar o apoio “antifascista” dos partidos de centro-direita nas votações de segundo turno. Após anos de deslocamento da política e da sociedade francesa para a direita, muitos grupos e eleitores conservadores tradicionais temem mais uma coligação social-democrata que inclui a França Insubmissa do que o partido racista de Le Pen.
A Esquerda conseguiu alcançar a unidade em tempo recorde, mas ainda há alguns obstáculos, como quem assumirá a liderança do governo em caso de vitória. Mélenchon, que terá o maior número de parlamentares dentro da Frente Popular, provoca forte rejeição entre o eleitorado mais centrista, então é provável que um candidato de consenso seja buscado.
Mas até mesmo esse debate parece secundário. Os líderes da Esquerda parecem focados em mobilizar o eleitorado para repetir o feito de 1936 e transformar o desastre previsto de um governo de extrema direita em esperança para uma mudança social e verde na política francesa. É uma faísca de esperança muito necessária em uma Europa traumatizada pela ascensão aparentemente imparável da extrema direita.
Sobre os autores
é jornalista freelancer e cientista político. É doutorado em Política pela Universidade Autónoma de Barcelona e escreveu para Ctxt, Público, Regards e The Independent.